sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Dar a volta ao mundo em um barco: sonho de muitos, privilégio de poucos


Dar a volta ao mundo num barco é um sonho de muitos marujos que desvendam os mistérios do mar diariamente. Porém, esse desejo, para a maioria, quase sempre, torna-se uma utopia. Poucos são capazes de perseguir esse ideal. Ao contrário do aposentado da força militar portuguesa, Rui Soares, que aos 63 anos, resolveu correr atrás do seu objetivo. "Quando me aposentei, resolvi comprar um veleiro e, pouco depois, recebi a proposta de um amigo para dar a volta ao mundo, coloquei no papel os possíveis gastos, contabilizei e vi que era possível encarar o desafio", afirmou Rui.

Casado, pai de três filhos e com dois netos, Rui está no mar há mais de um ano sem ver a família, contando apenas com a companhia do amigo, Antônio Pinharanda, que segue com ele no veleiro "Thor VI", modelo Moody 420, de 40 pés. "Entre a saída de Oeiras em novembro de 2009 e o nosso futuro regresso em junho de 2011, fecharemos a viagem explorando um percurso com mais de 30.000 milhas náuticas. A minha família acha graça da aventura, minha mulher sente muita saudade, mas entende que se trata de um desejo pessoal e termina aceitando", ressalta.

O aposentado segue na empreitada em companhia de mais 19 embarcações de 40 a 76 pés, oriundas de países como a Irlanda, Espanha, Suíça, Canadá, Portugal, Inglaterra, Estados Unidos, Mali e Holanda. Todos estão participando do "Rally Náutico World Arc", que conta com o apoio do Governo do Estado, por meio da Sudesb e da Bahiatursa. No momento, as embarcações estão ancoradas no Terminal Náutico da Bahia, administrado pela Sudesb, onde devem ficar até o fim do mês, antes de partirem para Recife (PE).

A Bahia, desde 2007, vem sendo um dos principais portos de atracação do País. Recebendo nove regatas internacionais ao longo do período. "Esse foi o primeiro lugar que paramos no Brasil, o que me deixa muito feliz, por também ser um dos mais falados devido às famosas belezas naturais da região, a minha intenção é ficar o máximo de tempo aqui, para conhecer melhor o local", salientou Rui, que foi o primeiro colocado do grupo B na travessia do Atlântico Sul, sendo premiado pelo feito, por membros da Sudesb e da Bahiatursa.

Apesar do grande anseio de desmembrar os terrenos brasileiros, conhecer as praias, pontos turísticos, festas e principais culturas baianas, os ventos que levaram Rui e Antônio a atingir a primeira colocação na empreitada, também foram ingratos, causando danos à embarcação durante o percurso. "O problema ocorreu quando o estai real se partiu. Ele é um cabo de aço de 19 fios, com 10 mm de espessura, que liga o topo do mastro à proa, evitando que o mastro caia para trás e suporta também o enrolador da genoa, vela da proa. A sua ruptura implicou que a genoa ficasse inoperante, o enrolador foi arreado e está agora deitado no convés, mas havia o risco de o mastro poder cair. Para evitar isso, durante a viagem, fixei um estai volante, ou seja, que não está sempre montado, com o objetivo de segurar o mastro para frente e fixei duas adriças, cabos que vêm do topo do mastro, para reforçar a posição do mastro", deu uma aula Rui.

Geração de renda - Em terras firmes, Rui e Antônio vêm buscando formas de resolver o problema o mais depressa possível. "Estamos tendo ajuda de um engenheiro naval que viaja em outra embarcação, e também tivemos que contratar mão de obra baiana para nos ajudar, porque fazemos apenas o que está ao nosso alcance". O problema de Rui e Antônio é algo comum nas viagens marítimas, nem sempre os barcos resistem intactos aos longos percursos e nas paradas precisam de manutenção, algo que acaba gerando renda para o Estado que acolhe esse tipo de rali náutico. "Estamos pagando a alguns rapazes para adiantar o serviço e podermos sair o mais breve possível para os belos lugares da Bahia, antes de partir para Recife".

Além de recrutar esse tipo de mão de obra, em todos os locais que os velejadores chegam sempre terminam gastando bastante em locais turísticos, em festas e alimentação. Em muitos casos alguns optam por hospedagem em terra firme, pois preferem se estabelecer em hotéis durante a estadia nas cidades que atracam, o que também movimenta o setor de hotelaria, apesar da maioria dos veleiros contar com uma boa estrutura de acomodação.

Os barcos participantes desse rali custam em torno de 100 mil a 1 milhão de dólares, dependendo do ano, tamanho e modelo. Além de velas e mastreação, para enfrentar esse tipo de viagem, os barcos possuem, aparelhos eletrônicos como: gps e piloto automático, e alguns ainda contam com ar condicionado, ventiladores, televisão de plasma, sofás, mesas, além de confortos básicos, como fogão, cama, microondas, privada, chuveiro, pia e geladeira. Sendo que a maior parte dos barcos são divididos em cômodos, para garantir uma viagem mais confortável aos tripulantes. "Todo o gasto vale a pena, pois esta é uma experiência marcante. Atravessar o Atlântico com o ARC, fazendo parte integrante deste acontecimento mundial da vela de cruzeiro é uma oportunidade única e um privilégio", concluiu Rui, sem esconder a sua paixão pelo mar.

Perto de concluírem sua meta de circunavegar o mundo, que teve início há mais de um ano, os tripulantes de dez países diferentes que participam do rali já completaram mais de 2.600 milhas náuticas. No estilo Cruzeiro de Aventura, o rali cruza os oceanos Atlântico, Pacífico e o Índico, passando por Santa Lúcia, Panamá, Equador, Polinésia Francesa, Ilha Cook, Niue, Tonga, Fiji, Vanuatu, Austrália, Indonésia, Mauritius, Reunion, África do Sul, Santa Helena, Brasil e Granada.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Ex-atleta usa a natação para ajudar a comunidade do Morro do Gavazza


Professora Peixinho faz do esporte uma ferramenta para dar um futuro melhor para as crianças e adultos

“Eu quero ver um dia nascer sorrindo/ e toda a gente sorrir com o dia/ com alegria do sol do mar/ criança brincando, mulher a cantar”.

Os versos de Chico Buarque na canção Marcha para um dia de sol, escrita em plena ditadura militar, revelam um sonho de liberdade, mas parecem ser feitos sob encomenda para falar da vida da Professora Sulamita Araújo. Conhecida pelos nadadores como Peixinho, apelido ganho na época em que foi atleta e destaque da natação baiana, a professora faz do esporte a arma para a busca da liberdade e igualdade social e ajuda crianças e adultos carentes do Morro do Gavazza a conquistar melhores chances para o futuro.

Aos 43 anos, Peixinho se espelha em Maria Lenk, a maior nadadora brasileira de todos os tempos e a primeira a estabelecer um recorde mundial para o País. Em Salvador, ensina crianças e adultos carentes do Morro do Gavazza, área humilde próxima ao Porto da Barra, um dos melhores exercícios físicos existentes, por movimentar todos os músculos e articulações do corpo, sendo também o único indicado para menores de três anos.

Em meio à violência e a pobreza que fazem dos moradores do Morro reféns do preconceito e discriminação, Peixinho tenta, através do esporte, ressaltar a decência, a dignidade e o valor que eles têm. A natação começou a ser praticada oficialmente no Brasil, no ano de 1897, quando os clubes Botafogo, Gragoatá, Icaraí e Flamengo fundaram a União de Regatas Fluminense, na cidade do Rio de Janeiro. Jardel Souza, 14 anos, pratica as atividades do Projeto há dois anos e se diz comovido. “A natação mudou muita coisa na minha vida. Aqui encontrei além do esporte uma família, a professora é como uma mãe para mim, sendo que a minha mãe biológica mora na França. Atualmente fico com minha avó que também pratica o esporte aqui, o que me estimula ainda mais”.

No rastro desse exemplo, estão outras crianças. Apesar dos tempos terem mudado, os interesses continuam os mesmos. Os pequenos nadadores (garotos de 01 a 14 anos) e idosos (com mais de 60 anos) encaram o esporte como uma forma de ressaltar os seus valores.

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Dificuldades não abatem Peixinho

As dificuldades são inúmeras para a manutenção do seu trabalho social no Porto da Barra, mas Peixinho não desiste da utopia. “A Federação Baiana de Natação não apoia o nosso Projeto e também não há uma maior divulgação, por parte da imprensa, em relação às empresas privadas que têm interesse em colaborar com o esporte no Estado. Atualmente nossa âncora é a Pampulha Engenharia, que tem sido nossa grande parceira nessa luta, nos ajudando com o custo das inscrições nas competições e com os uniformes”, afirma.

A Pampulha foi a responsável por levar 30 nadadores do Projeto, pela primeira vez, para a maior travessia do Estado, a Mar Grande/Salvador, que aconteceu no dia 27 de janeiro. Disputada há 48 anos, a prova faz parte do calendário oficial dos desportos aquáticos no Brasil, reunindo atletas renomados. Este ano, 115 competidores enfrentaram o desafio, que teve, como campeão no masculino, o atleta Alan do Carmo, com o tempo de 1h44min49, e no feminino Poliana Okimoto, com 1h56min03. Segundo a Professora Peixinho, o objetivo de participar da Mar Grande/Salvador não foi competitivo, mas uma forma de protesto pela falta de apoio da Federação Baiana de Natação.

Apesar de grandes resultados estarem em segundo plano para a Professora, diversos atletas da escolinha surpreenderam e boas marcas foram alcançadas, como a de Marcos Morais (40) que entre os atletas do grupo, foi o primeiro a cruzar a linha de chegada, com o tempo de quatro horas. “Fiquei feliz com o resultado, pois sou um adorador desse projeto. Comecei a treinar com Peixinho há sete anos, com a meta de baixar o meu tempo na prova de natação durante o triathlon e acabei ficando de vez, hoje ajudo a professora no que posso, e me sinto feliz em poder alcançar bons resultados e ser espelho para os jovens do Projeto” ressaltou Marcos.

O trabalho de Peixinho é totalmente voluntário. Ela trabalha como massoterapeuta e dá aulas de natação em algumas instituições privadas para sobreviver porque o Projeto não lhe garante nenhum sustento. Mãe de um rapaz de 22 anos, a professora mora sozinha na Barra. “A gratificação é a felicidade dos alunos. É olhar nos olhos de cada um e sentir o carinho e a gratidão deles. Amo o que faço, e trabalho com quem amo”, diz, emocionada.

A “Equipe Peixinho de Natação do Porto da Barra”, foi fundada há sete anos. Desde 2010, a Pampulha ajuda como pode, doando materiais esportivos e passagens. A iniciativa por parte da Pampulha em colaborar partiu do Presidente Dr. Jacintho Araújo, que também costuma nadar com a garotada da escolinha e se sensibilizou com a luta de Peixinho. Os treinos são realizados de segunda-feira a sábado, em diversos horários, nos quais são beneficiados mais de 30 atletas das mais diversas categorias (mirim, petiz, infantil, pré-máster e máster). “Doutor Jacintho é uma pessoa fantástica, que quando não vem treinar faz falta nas nossas aulas. Sou muito grata a ele, pois tem um coração de ouro”, salientou a professora que conquistou grandes títulos na modalidade, que marcou a sua vida, desde a infância.

Atualmente, como educadora, Peixinho sente orgulho dos alunos. Ela diz, com os olhos brilhantes: “Na minha escolinha existem várias pessoas cheias de qualidades, que têm tudo para dar certo. A natação é muito mais que um simples esporte para os jovens e idosos que frequentam essas aulas. É, sem dúvida, uma forma de educar e criar novas expectativas de vida. Sempre cobro os boletins escolares dos atletas que ainda estudam. Converso muito com eles, procuro orientar, exercendo uma boa disciplina e dando apoio quando há qualquer problema familiar”.

Os alunos de Peixinho reconhecem o seu valor. “Peixinho é uma das pessoas mais importantes da minha vida, costumo dizer que para mim existe Deus no céu e ela na Terra. Entrei na natação por motivo de saúde, estava com 22kg a mais, doente e com baixa auto-estima. Hoje me considero outra pessoa, graças ao incentivo dessa mulher de fibra, que não nos abandona. Na água esqueço de todos os meus problemas, e me sinto uma vencedora por buscar o meu valor através do esporte”, diz, com os olhos cheios de lágrimas, a jovem nadadora Kátia Fernanda que, apesar de fazer hemodiálise três vezes por semana, não falta a um treino.

A história da aposentada Aracelis (69) e do cantor Antônio Portela (48) não é diferente. Ambos procuraram a natação por orientação médica. Aracelis, que nada há três anos, conseguiu, através do esporte, vencer as dores na coluna e nas articulações. “Hoje, nadar deixou de ser uma necessidade para se tornar um prazer. Sem dúvidas, abraçar esse mar é uma terapia”, diz, feliz, considerando-se um bom exemplo para vários idosos que necessitam sair do sedentarismo, “todos deveriam ter coragem de participar, quando estou na água não lembro se alguém está me olhando, o que tento é dar o meu melhor e atingir o meu limite, o que me faz muito bem, confio muito no trabalho de Peixinho”, concluiu.

Já Portela conseguiu perder 47 kg em sete meses e venceu a obesidade. “Tinha problemas de circulação graças ao peso corpóreo, com alguns casos de obesidade na família, cheguei a pensar que poderia morrer como o meu irmão que se entregou à doença, mas a natação mudou a minha vida, hoje me sinto saudável e disposto”, salientou Portela, que sofreu alguns preconceitos sociais quando perdeu peso rapidamente. “Por eu ser homossexual, alguns conhecidos chegaram a dizer que estava com HIV, por ter emagrecido rapidamente, mas tudo isso para mim não passa de inveja”, afirmou o cantor, que é tratado com grande carinho pelos colegas e por Peixinho que admira o seu trabalho fora do mar. “Eu amo Portela, além de ser uma pessoa linda, é um grande artista, e procuro sempre valorizar isso”, afirmou Peixinho, com o mesmo brilho no olhar que emite ao falar de todos os alunos da turma. “Todos são como filhos para mim”, concluiu.