quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Ex-atleta usa a natação para ajudar a comunidade do Morro do Gavazza


Professora Peixinho faz do esporte uma ferramenta para dar um futuro melhor para as crianças e adultos

“Eu quero ver um dia nascer sorrindo/ e toda a gente sorrir com o dia/ com alegria do sol do mar/ criança brincando, mulher a cantar”.

Os versos de Chico Buarque na canção Marcha para um dia de sol, escrita em plena ditadura militar, revelam um sonho de liberdade, mas parecem ser feitos sob encomenda para falar da vida da Professora Sulamita Araújo. Conhecida pelos nadadores como Peixinho, apelido ganho na época em que foi atleta e destaque da natação baiana, a professora faz do esporte a arma para a busca da liberdade e igualdade social e ajuda crianças e adultos carentes do Morro do Gavazza a conquistar melhores chances para o futuro.

Aos 43 anos, Peixinho se espelha em Maria Lenk, a maior nadadora brasileira de todos os tempos e a primeira a estabelecer um recorde mundial para o País. Em Salvador, ensina crianças e adultos carentes do Morro do Gavazza, área humilde próxima ao Porto da Barra, um dos melhores exercícios físicos existentes, por movimentar todos os músculos e articulações do corpo, sendo também o único indicado para menores de três anos.

Em meio à violência e a pobreza que fazem dos moradores do Morro reféns do preconceito e discriminação, Peixinho tenta, através do esporte, ressaltar a decência, a dignidade e o valor que eles têm. A natação começou a ser praticada oficialmente no Brasil, no ano de 1897, quando os clubes Botafogo, Gragoatá, Icaraí e Flamengo fundaram a União de Regatas Fluminense, na cidade do Rio de Janeiro. Jardel Souza, 14 anos, pratica as atividades do Projeto há dois anos e se diz comovido. “A natação mudou muita coisa na minha vida. Aqui encontrei além do esporte uma família, a professora é como uma mãe para mim, sendo que a minha mãe biológica mora na França. Atualmente fico com minha avó que também pratica o esporte aqui, o que me estimula ainda mais”.

No rastro desse exemplo, estão outras crianças. Apesar dos tempos terem mudado, os interesses continuam os mesmos. Os pequenos nadadores (garotos de 01 a 14 anos) e idosos (com mais de 60 anos) encaram o esporte como uma forma de ressaltar os seus valores.

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Dificuldades não abatem Peixinho

As dificuldades são inúmeras para a manutenção do seu trabalho social no Porto da Barra, mas Peixinho não desiste da utopia. “A Federação Baiana de Natação não apoia o nosso Projeto e também não há uma maior divulgação, por parte da imprensa, em relação às empresas privadas que têm interesse em colaborar com o esporte no Estado. Atualmente nossa âncora é a Pampulha Engenharia, que tem sido nossa grande parceira nessa luta, nos ajudando com o custo das inscrições nas competições e com os uniformes”, afirma.

A Pampulha foi a responsável por levar 30 nadadores do Projeto, pela primeira vez, para a maior travessia do Estado, a Mar Grande/Salvador, que aconteceu no dia 27 de janeiro. Disputada há 48 anos, a prova faz parte do calendário oficial dos desportos aquáticos no Brasil, reunindo atletas renomados. Este ano, 115 competidores enfrentaram o desafio, que teve, como campeão no masculino, o atleta Alan do Carmo, com o tempo de 1h44min49, e no feminino Poliana Okimoto, com 1h56min03. Segundo a Professora Peixinho, o objetivo de participar da Mar Grande/Salvador não foi competitivo, mas uma forma de protesto pela falta de apoio da Federação Baiana de Natação.

Apesar de grandes resultados estarem em segundo plano para a Professora, diversos atletas da escolinha surpreenderam e boas marcas foram alcançadas, como a de Marcos Morais (40) que entre os atletas do grupo, foi o primeiro a cruzar a linha de chegada, com o tempo de quatro horas. “Fiquei feliz com o resultado, pois sou um adorador desse projeto. Comecei a treinar com Peixinho há sete anos, com a meta de baixar o meu tempo na prova de natação durante o triathlon e acabei ficando de vez, hoje ajudo a professora no que posso, e me sinto feliz em poder alcançar bons resultados e ser espelho para os jovens do Projeto” ressaltou Marcos.

O trabalho de Peixinho é totalmente voluntário. Ela trabalha como massoterapeuta e dá aulas de natação em algumas instituições privadas para sobreviver porque o Projeto não lhe garante nenhum sustento. Mãe de um rapaz de 22 anos, a professora mora sozinha na Barra. “A gratificação é a felicidade dos alunos. É olhar nos olhos de cada um e sentir o carinho e a gratidão deles. Amo o que faço, e trabalho com quem amo”, diz, emocionada.

A “Equipe Peixinho de Natação do Porto da Barra”, foi fundada há sete anos. Desde 2010, a Pampulha ajuda como pode, doando materiais esportivos e passagens. A iniciativa por parte da Pampulha em colaborar partiu do Presidente Dr. Jacintho Araújo, que também costuma nadar com a garotada da escolinha e se sensibilizou com a luta de Peixinho. Os treinos são realizados de segunda-feira a sábado, em diversos horários, nos quais são beneficiados mais de 30 atletas das mais diversas categorias (mirim, petiz, infantil, pré-máster e máster). “Doutor Jacintho é uma pessoa fantástica, que quando não vem treinar faz falta nas nossas aulas. Sou muito grata a ele, pois tem um coração de ouro”, salientou a professora que conquistou grandes títulos na modalidade, que marcou a sua vida, desde a infância.

Atualmente, como educadora, Peixinho sente orgulho dos alunos. Ela diz, com os olhos brilhantes: “Na minha escolinha existem várias pessoas cheias de qualidades, que têm tudo para dar certo. A natação é muito mais que um simples esporte para os jovens e idosos que frequentam essas aulas. É, sem dúvida, uma forma de educar e criar novas expectativas de vida. Sempre cobro os boletins escolares dos atletas que ainda estudam. Converso muito com eles, procuro orientar, exercendo uma boa disciplina e dando apoio quando há qualquer problema familiar”.

Os alunos de Peixinho reconhecem o seu valor. “Peixinho é uma das pessoas mais importantes da minha vida, costumo dizer que para mim existe Deus no céu e ela na Terra. Entrei na natação por motivo de saúde, estava com 22kg a mais, doente e com baixa auto-estima. Hoje me considero outra pessoa, graças ao incentivo dessa mulher de fibra, que não nos abandona. Na água esqueço de todos os meus problemas, e me sinto uma vencedora por buscar o meu valor através do esporte”, diz, com os olhos cheios de lágrimas, a jovem nadadora Kátia Fernanda que, apesar de fazer hemodiálise três vezes por semana, não falta a um treino.

A história da aposentada Aracelis (69) e do cantor Antônio Portela (48) não é diferente. Ambos procuraram a natação por orientação médica. Aracelis, que nada há três anos, conseguiu, através do esporte, vencer as dores na coluna e nas articulações. “Hoje, nadar deixou de ser uma necessidade para se tornar um prazer. Sem dúvidas, abraçar esse mar é uma terapia”, diz, feliz, considerando-se um bom exemplo para vários idosos que necessitam sair do sedentarismo, “todos deveriam ter coragem de participar, quando estou na água não lembro se alguém está me olhando, o que tento é dar o meu melhor e atingir o meu limite, o que me faz muito bem, confio muito no trabalho de Peixinho”, concluiu.

Já Portela conseguiu perder 47 kg em sete meses e venceu a obesidade. “Tinha problemas de circulação graças ao peso corpóreo, com alguns casos de obesidade na família, cheguei a pensar que poderia morrer como o meu irmão que se entregou à doença, mas a natação mudou a minha vida, hoje me sinto saudável e disposto”, salientou Portela, que sofreu alguns preconceitos sociais quando perdeu peso rapidamente. “Por eu ser homossexual, alguns conhecidos chegaram a dizer que estava com HIV, por ter emagrecido rapidamente, mas tudo isso para mim não passa de inveja”, afirmou o cantor, que é tratado com grande carinho pelos colegas e por Peixinho que admira o seu trabalho fora do mar. “Eu amo Portela, além de ser uma pessoa linda, é um grande artista, e procuro sempre valorizar isso”, afirmou Peixinho, com o mesmo brilho no olhar que emite ao falar de todos os alunos da turma. “Todos são como filhos para mim”, concluiu.

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